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Há uns anos, deparei-me com uma frase provocadora que acrescentou muito à minha perspetiva sobre criatividade: “Os grandes artistas não copiam, roubam”. Atribuída a Pablo Picasso (ou será a T. S. Eliot? Ou a Steve Jobs citando ambos?), esta abordagem esteve sempre presente na minha vida desde então.

Mas o que significa realmente “roubar como um artista”? E onde está a linha entre inspiração e plágio no trabalho criativo?

O mito da originalidade absoluta

Vamos começar por admitir uma verdade incómoda: a originalidade pura é praticamente impossível. Tenho más notícias para quem acredita ser completamente original. Provavelmente, não és. E eu também não sou.

Os nossos cérebros processam constantemente informações do exterior e, inevitavelmente, essas influências combinam-se para formar o que chamamos de “ideias originais”. É como se fossemos DJs cognitivos, sempre a fazer remix de tudo o que absorvemos.

Recordo um professor de literatura que dizia: “Existem apenas sete histórias no mundo, e estamos sempre a recontá-las de formas diferentes.” Na altura, achei aquilo um exagero cínico. Hoje, reconheço a sabedoria por trás desta afirmação. A questão não é se somos influenciados, mas como transformamos essas influências em algo que carrega a nossa assinatura.

Como diria Austin Kleon no seu livro “Steal Like an Artist” (sim, roubei o título deste artigo dele, intencionalmente e com todo o respeito): “Nada é original, então aceita a influência, coleciona ideias e mistura-as com a tua própria personalidade.”

O bom roubo vs. o mau roubo

Existe uma diferença crucial entre o que chamo de “roubo transformador” e simples apropriação. Vejo isto constantemente em projetos de conteúdo e estratégias de marketing que desenvolvo para clientes.

O mau ladrão:

  • Copia diretamente sem transformação
  • Não compreende o contexto das referências
  • Esconde as suas fontes de inspiração
  • Não acrescenta nada de novo

O bom ladrão:

  • Estuda profundamente diversas referências
  • Compreende os princípios subjacentes
  • Reconhece honestamente as suas influências
  • Transforma e recombina para criar algo novo

Durante os meus anos no mundo corporativo, observava frequentemente o “mau roubo”. Campanhas que eram quase decalques umas das outras, sem qualquer transformação criativa. As mais interessantes, pelo contrário, mostravam claramente a sua linhagem de influências, mas conseguiam adicionar uma perspetiva fresca e inesperada.

A minha caixa de curiosidades: um sistema para roubar bem

Desenvolvi ao longo dos anos um sistema pessoal que chamo carinhosamente de “caixa de curiosidades”. É fundamentalmente uma biblioteca de ideias, técnicas e inspirações que coleciono meticulosamente. Uso uma mistura de Milanote, MyMind e Notion para organizar estas referências em categorias (eu sei, tenho de reunir tudo no mesmo lugar – é um dos planos para este ano):

  • Técnicas de escrita: Desde estruturas narrativas a jogos de palavras
  • Estratégias visuais: Composições, paletas de cores, tipografias
  • Vozes e tons: Exemplos de comunicação que me marcam
  • Ideias conceptuais: Abordagens filosóficas e frameworks mentais

Esta biblioteca não é apenas um repositório passivo; é uma ferramenta ativa de transformação. Quando começo um novo projeto, mergulho nesta coleção, combinando e recombinando elementos. O resultado nunca é uma cópia direta, mas algo que carrega o ADN das minhas inspirações num arranjo completamente novo.

E, talvez mais importante, mantenho uma prática deliberada de atribuição. Quando uma ideia tem uma fonte clara, faço questão de a reconhecer. Não é apenas uma questão de ética. É também uma forma de mostrar que sou parte de uma linhagem criativa maior.

Apropriação cultural: o roubo que não deve acontecer

Há formas de “roubo” que são problemáticas e carecem de ética. A apropriação cultural é um exemplo claro disso, especialmente quando elementos culturais significativos são descontextualizados ou comercializados sem respeito pelo seu significado original.

Como criativa, faço um esforço consciente para pesquisar e compreender o contexto cultural das minhas referências, reconhecer de onde vêm as influências, questionar se a minha adaptação honra ou diminui a fonte original, e consultar vozes dessa cultura quando apropriado.

Este cuidado não é limitar a criatividade. É enriquecê-la com respeito e consciência.

Como construir o teu próprio “museu de influências”

Se queres desenvolver a tua capacidade de “roubar como um artista”, aqui estão algumas práticas que me têm sido úteis:

  1. Mantém um diário de inspirações Anota ideias, citações, técnicas que te impressionam, com a respetiva fonte. Podes usar um caderno físico ou ferramentas digitais como o Notion ou o Evernote.
  2. Estuda profundamente, não superficialmente
    Não te limites a observar a superfície do trabalho que te inspira. Tenta compreender as escolhas, o contexto, as técnicas subjacentes. É como desconstruir uma receita para perceber porque é que funciona.
  3. Mistura influências improváveis Algumas das ideias mais refrescantes surgem da combinação de influências de campos distintos. O que acontece quando aplicas princípios de arquitetura à escrita? Ou conceitos de gastronomia ao design gráfico?
  4. Pratica a remistura deliberada Escolhe conscientemente elementos de diferentes referências e desafia-te a combiná-los numa nova peça. É como ser um chef que experimenta fusões culinárias inesperadas.
  5. Sê transparente sobre as tuas influências Reconhecer as tuas fontes não diminui a tua criatividade. Mostra a tua erudição e honestidade. É um sinal de confiança, não de insegurança.

Da ansiedade da influência à alegria da transformação

O poeta Harold Bloom falava sobre a “ansiedade da influência”, o medo que os criadores sentem de serem meras sombras dos gigantes que os precederam. Mas talvez seja hora de transformar essa ansiedade em celebração.

Somos todos parte de uma grande conversa criativa que se estende através do tempo e do espaço. Cada contribuição é simultaneamente um eco e uma nova voz. Quando abraçamos as nossas influências e as transformamos com intenção, honestidade e respeito, não estamos apenas a “roubar como artistas”. Estamos a participar no grande diálogo da criatividade humana.

E tu? Quais são as tuas principais influências? Como as transformas no teu trabalho? Partilha nos comentários. Estou genuinamente curiosa para saber como “roubas” criativamente.

 

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